Tempo percorrido - em 5 meses

Uma carta de 05/03/2025

5 de março de 2025 5 de março de 2026
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830 palavras

querida bia do futuro,


fiquei aqui pensando como escrever essa carta. a minha cabeça tem fervilhado de pensamentos, processos, palavras e eu confesso que é a primeira vez em muito, muito tempo que sento para escrever. não quero soar pretensiosa, mas a ideia de te escrever veio de um desafio que eu estruturei para mim mesma que se chama '30 dias de criatividade'. pode parecer meio ingênuo, bobo até, mas o que nos manteve vivas até aqui, desde o ano passado, foi essa nossa capacidade de romantizar a vida, de criar objetivos pequenos e palpáveis que davam a impressão de que viver valia a pena nem que fosse pra comer uma fatia de torta da sabor glacê.


o ano passado foi difícil e esse ano tem sido uma corda-bamba. em geral me sinto melhor, mas vez ou outra sou meio que sufocada por medos, paranóias, ecos que me turvam a visão e confundem a minha capacidade de discernir o que é real e o que é fantasia, sombra. ano passado tivemos todo aquele episódio de pensar que joão estava com câncer e isso nos botou bem diante do olho da vida e da morte... obviamente, todo o absoluto terror que vivi naqueles dias estendeu-se tempo afora e mesmo depois que logicamente entendemos que tudo estava bem o coração seguiu a vacilar no medo de perder aquilo que tão arduamente conquistamos: o amor.


mas a verdade é que tudo isso serviu para nos mostrar que o caminho que vínhamos tomando há algum tempo era leviano, automatizado, distraído até. a vida se escancarou pra nós e nos fez perceber que estávamos, de fato, perdendo tempo. fomos lá no fundo do abismo pra entender que precisávamos acordar, despertar para a beleza das coisas, para o autocuidado.


sempre tivemos essa dificuldade, né, de cuidar de nós mesmas... e a vida toda delegamos isso aos outros, como se esperássemos um herói que viesse nos resgatar do assombro da nossa infância e adolescência.


mas acabou que não precisamos disso mais, bia. temos feito um bom trabalho em insistentemente buscar recursos para cuidar de nós, da nossa criança ferida, da nossa adolescente assustada, da nossa mãe recém-parida... todas essas versões de nós que foram ficando inacabadas pelo caminho vieram à tona e estamos aprendendo a conviver bem.


estou buscando me cuidar, entre trancos e barrancos, e tido mais dias bons do que ruins depois de muito tempo vivendo em trevas. tudo o que pensei que de ruim e trágico me aconteceria acabou não acontecendo e isso me faz pensar que a nossa cabeça é realmente uma máquina de produzir catástrofes. temos ido à terapia, à academia, estamos assiduamente tomando os nossos remédios (que a fran carinhosamente apelida de 'doidex') e fazendo coisas que fazem sentido pra nós; nossas coisinhas de criança, de adolescente, de colecionar adesivos, papéis de carta, fazer listas... enfim. vivendo pelo pão de cada dia.


saí do instagram pra abafar o ruído que fazia na minha cabeça - foi a melhor coisa que fiz.

encontrei um kindle de 2020 que só agora entendi como usar e tem sido revolucionário.

piramos a cabeça com a tetrologia da elena ferrante e tenho lido compulsivamente o último volume, numa ânsia de nunca acabar.

cora tem crescido em graça e alegria, é a luz da nossa vida e a maioria dos meus medos gira em torno de perdê-la. espero que você já tenha superado isso.

ela está no infantil III agora e aprende tanto, todo dia chega com novidades, novas palavras e invenções. está tão autônoma, já tira a roupa sozinha, toma banho, calça o sapato. não é mais bebê. mas ainda dorme comigo, ainda bem.

o trabalho tem corrido bem, entramos numa pós de análise do comportamento, quem diria.

tenho andado meio introspectiva, sem querer ver ninguém, mas tô achando bom.


e fico feliz de estar te contando tudo isso. agora vou deixar umas palavrinhas de coisas que desejo que você se lembre:


bia, somos mais fortes do que pensamos e sempre saímos vivas de tudo aquilo que acháramos que nos mataria.

você está fazendo absolutamente o melhor que pode.

comece pouco, pequeno e devagar. um passo de cada vez.

lembre-se que o amor real vem de poucas pessoas, e que mais vale consistência, construção e verdade do que quantidade e frivolidade.

você tem muito amor pra dar e receber.

aceite o seu corpo pelo que é, mas não caia na autossabotagem de desistir dele. ele merece seu cuidado e seu olhar.

continue criando e se inspirando: ler é importante demais pra nós, percebo isso agora.

viva uma vida simples. acho que o segredo tá aí.


e lembre-se: conte sempre comigo.


te amo, bia do futuro. um abraço carinhoso.

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